sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Aconteceu agora

Como todos os dias acontece depois das 22 horas, dou uma fugida até aqui bem perto, a uma esplanada onde curto alguns momentos fora da minha mesa de trabalho e aproveito para espairecer os olhos fora da tela do computador.
De tanto frequentar, já acabei por me tornar um cliente especial, gozando do privilégio da amizade dos funcionários, o que de certa forma me conforta, dada a distância física que me separa dos meus amigos mais próximos.
Mas não foi para vos falar das minhas carências que comecei a escrever, mas sim de um facto que ao mesmo tempo que me assustou, me regozijou não só pelo inesperado, mas  também pelo resultado visível de um trabalho.
Aconteceu assim.
Sentado, quase sempre sento no mesmo lugar desde que esteja vago, tomando o meu suco de manga, sou abordado por um cavalheiro, mais ou menos quarenta anos, meio grisalho, porte atletico de quem continua ainda fazendo academia, vestindo desportiva mas elegantemente onde sobressaia roupa "pierre cardin" e óculos de grau tipo "ray ban", que pedindo desculpa pelo incomodo, se apresenta como (vou apenas chamar-lhe Carlos) e me pergunta, meio afirmação meio interrogação,  com aquela pronúncia de quem acabou de chegar ao galeão vindo de terras lusitanas:
- senhor Oliveira Nunes?!
- Sim sou eu respondi e imediatamente me passou pela cabeça que quem fez ou faz televisão, tem um visual marcado para sempre e que alguém te interpelar na rua, passa a fazer parte do cotidiano.
- O senhor desculpe, continuou Carlos, mas preciso fazer-lhe uma pergunta e antecipadamente lhe volto a pedir desculpa, pela mesma...
- Fique à vontade, respondi já meio preocupado com o que viria por aí...
- O senhor é gay?
Esperava qualquer coisa, todo o tipo de indagação, mas essa quase me tirou da minha permanente calma...
Antes de responder reparei que o homem, deve ter visto, que fez a pergunta sem qualquer preparação e a sua cara revelava o constrangimento porque estava passando.
- Sabe senhor Oliveira Nunes, sou seu fã desde os tempos da tv bandeirantes do programa o Show da Malta, quando o senhor se candidatou votei em si e fiz campanha sem que soubesse, o conheço a mais de vinte anos...
- Antes que ele continuasse a desfiar o rosário de justificativas, cortei-lhe a palavra...- Carlos, respondendo a sua pergunta, não sou gay.
E meio confuso achei que me devia justificar, apesar de ao fazê-lo demonstrar alguma forma de preconceito, que acho não ter.
- Nada contra ser ou não ser homosexual, mas o meu passado não me recomendaria na irmandade. Já fui casado quatro vezes, adoro o sexo feminino, estou apaixonado por uma mulher maravilhosa, tenho quatro filhos...
- Desculpe Oliveira Nunes, sei de tudo isso, pois como lhe disse o admiro muito profissionalmente e antes de fazer a sua campanha em 96, me informei bastante a seu respeito.
- Mas a pergunta tem uma razão de ser. Desde que o governo português assinou a lei que permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo, você é o único por estas bandas, que fala do assunto e de uma forma o expõe aos seus entrevistados, que parece concordar implicitamente com ele.
...- Carlos, concordo sim. Primeiro porque abomino discriminações, segundo porque sempre defendo as minorias nas suas reinvidicações se as acho justas e neste caso, é mais que justiça é uma questão humana e de liberdades individuais. Acho que é hora, de falarmos de pessoas, de seres humanos que tem o livre arbítrio para fazerem as suas opções, sem que por isso sejam discriminados por elas, quer pela justiça dos homens, quer por outras, para quem acredita que as haverá.
- A Justiça e o direito de ir e vir, é para todos independentemente de credo, religião, raça ou sexo. E como diz um amigo meu, que também não é gay, mas defende a bandeira que agora fou adotada pelo governo português, sou um heteresexual defendendo a bandeira dos homesexuais.
E antes que eu pudesse dar vazão, ao discurso que tava fluindo, Carlos se levantou com um sorriso, estendeu-me a mão e sorrindo disse:
- Oliveira Nunes você quase me enganou a seu respeito. É que eu sou... gay...
Com um sorriso meio amarelo, vi Carlos se afastar e pensei quantas mulheres já se devem ter enganado e paquerado este espécimen de homem que apesar do seu garbo e elegância, não quer nada com o mundo feminino, ou quem sabe, quer tudo.
Amanhã eu volto. até lá.

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